Diário
terça-feira 03 de novembro, 2020
Clã das Cicatrizes
Somos mulheres de barro, feitas de terra, que já passámos por muitas mãos, incluindo pelo fogo que transforma as nossas dores e feridas em pensamento de ouro.
A nossa história mostra-nos que, enquanto mulheres, temos uma enorme capacidade de renascer, recriar, renovar. Morremos nas fogueiras, mas renascemos das cinzas.
Há uma força interna, uma chama sagrada de pura alquimia, que arde sem de ver, mas quem a cultiva sente-a como real.
Um poder feminino que vibra desde o espaço sagrado do nosso útero - mesmo que o órgão já lá não viva.
Um sangue, a joia que realiza todos os desejos, que pulsa desde a matriz e que não é um sangue qualquer - é o nosso sangue menstrual.

E na nossa matriz (útero) estão gravadas todas as nossas histórias... e não só nossas, mas também da nossa linhagem. E não só da linhagem, mas também as mais ancestrais, todas as memórias da própria Mãe Terra.
São cicatrizes, umas abertas, outras camufladas, enquanto outras latejam de dor.
Esperam por serem vistas, sentidas, reconhecidas... precisam dum nome, ser vocalizadas, ser escutadas para começarem a sarar-se.

Carregamos às costas uma mochila pesada. A mochila é a nossa matriz. O peso são as nossas histórias não expressadas.
Urge esvaziá-la, a cada dia... pelo benefício de cada uma nós, mas também pelas nossas ancestrais e de todo o planeta Terra.
A minha cura, representa a cura da minha linhagem e, por usa vez, a cura da Mãe Terra.

O caminho de cura é longo, ainda há pouco iniciámos e ainda teremos de aguardar por algumas gerações para começar a colher frutos.
Acredito em saltos quânticos, pois eu mesma já fiz alguns ao longo do meu percurso.
Mas as feridas da Mãe Terra, que são também as nossas feridas, são muitas e profundas. Sim, vai demorar... precisamos de paciência, continuar a cura e nunca desistir.
O caminho das mulheres sábias é uma espiral, não é uma progressão linear. É um caminho suave e doce, de escuta atenta e profunda.
Exige tempo e paciência. Mas em tempos super acelerados com mentes ainda mais, quem tem paciência?!
Qualquer catalisador espiritual não deve servir para encontrar soluções rápidas, colocar pensos rápidos nas feridas profundas ou ser usado como uma droga analgésica.
Mas num artigo futuro falarei mais sobre o caminho da mulher sábia que urge ser recordado, pois até a espiritualidade moderna se tornou Macfood... 


Os tempos chamam-nos a ver, de olhos bem abertos, a porcaria que a humanidade tem feito... a Terra é abusada, manipulada, explorada, maltratada.
E a Terra é o Feminino... esse feminino que todos, homens e mulheres, carregam dentro de si.
Mas também esse feminino que se materializa nos corpos das mulheres.
A Terra foi colonizada... assim como os corpos e a saúde das mulheres.
Os solos estão cada vez mais inférteis... assim os endométrios de cada vez mais mulheres.
Os habitats desaparecem... assim como os limites das mulheres.

As catrástofes naturais intensificam-se... assim como multiplicam-se as mulheres controladoras a gritar de punho fechado.

A biodiversidade das sementes está a desaparecer... assim como a força criativa dos ovários de muitas mulheres.
As águas estão poluídas... assim como o sangue das mulheres com hormonas artificiais e outras tantas toxinas.
As montanhas são destruídas... assim como as mamas são alvo de cada vez mais problemas e doenças.
Os recursos esgotam-se... assim como muitas mulheres se sentem vazias e desnutridas.
O coração do planeta chora... e assim chora os corações de muitas mulheres.
A mulher é a Mãe Terra, representada por toda a Natureza.
Cabe a cada uma voltar a colonizar o seu corpo, as suas emoções, a sua psique, os seus órgãos, os seus ossos, o seu sangue.
Conquistar autonomia, assumindo a soberania sobre os seus corpos, mentes e corações.

Estas palavras não são minhas, mas da própria Mãe Terra, expressas por tantas, mas tantas tradições ancestrais de civilizações tão avançadas espiritualmente.
Já andei pelos Himalayas e lá bebi cálices de sabedoria... mas os meus pés também já andaram por outros territórios sagrados como os da tradição Maya.
Adoro resgatar sabedoria ancestral... e apesar dos denominadores em comum, cada tradição é única e apresenta as suas especialidades.
Sobre a matriz e o sangue menstrual já recebi muitos rituais, ensinamentos, práticas de todas as tradições que me inspiram: Bon e Trantrayana (Tibetana), Taoísta, Maya e Azteca, Ayurvédica (Indiana), Inca (Chilena)... mas foi na tradição Muisca da Colombia que fui resgatar os rituais e ensinamentos mais belos e poderosos com o sangue menstrual.



Na tradição Muisca diz-se que a cada menstruação - física ou espiritual para as anciãs - temos a oportunidade de regressar à lagoa.
A lagoa representa o líquido amniótico da nossa mãe e foi desse lugar que nascemos.
Regressar à lagoa é um momento de consulta ou reconhecimento espiritual muito importante para a mulher.
É um processo muito individual, sagrado e que devemos ter muito respeito.
São rituais que nos proporcionam momentos poderosos e profundos.

O nosso sangue menstrual é a nossa maior fonte de poder feminino porque com este podemos aceder a muita informação, dons e potencial.
É como a Dakini a segurar o crânio com sangue puro e cheio de êxtase!




Não o desperdices deitando-o fora como lixo...
Não o deves usar de forma leviana e inconsciente...
Não o ofereças em lugares desprotegidos...
Não o entregues à Mãe Terra antes de o purificar.
Deverás entregá-lo belo, tal como é a sua essência!
O teu sangue é o teu oráculo!
O sangue menstrual tem consciência própria e é poder feminino!
São palavras de ordem desta tradição que ressoaram totalmente no meu coração.
É um trabalho sério, muito sério. Mas que nos dá a oportunidade de aceder ao que é nosso de direito.

Na menstruação a mulher vive uma certa predisposição física, psicológica, química e espiritual.
E todos estes aspectos vivem em relação de inderdependência.
Dependendo da sua história e das suas cicatrizes, a mulher nesses dias (ou na fase pré-menstrual) vai manifestar algo que precisa de ser escutado, abraçado, cuidado, reconhecido.
Contam as abuelas que quando conectamos, trabalhamos e limpamos o nosso sangue menstrual, também limpamos a nossa árvore genealógica e as memórias da Mãe Terra.
Ao trabalhar o sangue menstrual de forma ritualística podemos começar a curar:
- a árvore genealógica;
- as memórias da Mãe Terra;
- as heranças ancestrais que herdámos diretamente e se manifestam nas nossas relações com os outros ou com a vida, na forma de padrões de repetição, crenças limitadoras.... por ex: relações amorosas abusivas, famílias disfuncionais, padrões de manipulação ou codependências...

Através do sangue menstrual temos a oportunidade de curar o nosso Corpo de Dor:
“Toda emoção negativa que não é plenamente enfrentada, nem considerada pelo que ela é no momento em que se manifesta, não se dissipa por inteiro. Deixa atrás de si um traço remanescente de dor.”
— Eckhart Tolle, in “Um Novo Mundo – O Despertar de Uma Nova Consciência”
Existe uma ferida cíclica transgeracional que não se entende com a razão, mas sente-se com o coração.

E essa ferida vive no coração da nossa matriz. Chora-se e partilha-se através do coração emocional. E, depois de passar pelo fogo alquimico, converte-se em pensamento de ouro.
Sim, a menstruação guarda o nosso poder alquímico!
O nosso sangue menstrual é a fonte dessa alquimia... E não é por acaso que para os alquimistas o menstruo é o líquido solvente usado para extrair de um sólido os seus princípios ativos! ;)


Por hoje despeço-me com estas palavras de Classira Pinkola...
Fecha os olhos e escuta com o coração:






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Ana Margarida Silva
Obrigada, Ana!
Ana Taboada
_/\_
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